Talvez seja o poema mais conhecido de Álvaro de Campos. Oscilando entre o mundo interior e a realidade cósmica, universal, o poeta trata, ao mesmo tempo, da angústia com o quotidiano e dos sonhos de libertação. Isso pode ser observado a partir dos primeiros versos, cujo sentido vai se constituir na base de todo seu poema. Repare que o poeta é absolutamente niilista em relação a si próprio (“não sou nada./ Nunca serei nada./ Não posso querer ser nada”), mas, em compensação, ele sabe que tem “todos os sonhos do mundo”. Fechado em seu quarto, solitário, o eu-poético contempla uma rua, onde percebe um mistério, que é a morte e o destino que ninguém vê. Essa percepção extraordinária das coisas se dá devido à sua grande capacidade imaginativa, que o faz ver o que os outros não podem ver.
Vivendo seus sonhos, ele procura esquecer toda aprendizagem (isto é, aquilo tudo que aprendeu com os homens) e parte em busca da natureza, contudo essa solução não o satisfaz, na medida em que se sente desconfortável em qualquer lugar que esteja (“estrangeiro aqui, como em toda parte”, dirá o poeta em outro poema). Álvaro de Campos é radicalmente diferente de Alberto Caeiro (e mesmo de Ricardo Reis); a sua angústia, a sua lucidez não permitem que seja inocente, natural. Voltar à natureza torna-se uma utopia inútil. Na sequência, o poeta volta a opor a fantástica capacidade de sonhar à limitação do mundo exterior. Mas a sensação de euforia com o sonho não dura muito; mais adiante do poema, ele toma consciência de que os sonhos nada valem, pois as aspirações altas e nobres e lúcidas talvez nem vejam a luz do sol, nem atinjam ouvidos de gente. Na verdade, “O mundo é para quem nasce para o conquistar / E não para quem sonha que pode conquistá-lo”, ainda que tenha razão. Por isso, apesar de ter conquistado mais do que o grande conquistador Napoleão, de ter amado mais do que Cristo e de ter filosofado mais que Kant, isso de nada vale, na medida em que tudo se processou na imaginação. Para expressar essa sua impotência perante a realidade, Álvaro de Campos serve-se da imagem do homem que espera que lhe abram a porta numa parede sem porta, ou do homem que tenta fazer que sua voz chegue até Deus, cantando dentro de um poço tapado.
Assim, o poeta vê-se como um “escravo cardíaco de estrelas”, ou seja, uma pessoa que sonha com as estrelas e sofre de uma doença cardíaca, que o impede de ter emoções fortes, ou como quem só conquista tudo em sonhos. O resultado é um distanciamento cada vez maior da realidade, do mundo visível. A consciência disso causa-lhe um cansaço, um sofrimento, de maneira que passa a invejar uma menina que come chocolates inocentemente. Nesse momento, Álvaro de Campos toca num aspecto que é uma constante na obra de Fernando Pessoa: pensar é doloroso, por impedir o homem de ser feliz. Na outra estrofe, ao sentir o vazio dentro se si, o poeta procura alguma coisa que o inspire. Por isso recorre a musas inspiradoras do passado, mas a sensação de vazio continua a mesma, já que seu “coração é um balde despejado”.
Na realidade, Álvaro de Campos expressa aqui a angústia do homem moderno, que não encontra mais ponto de apoio para as suas inquietações e, por isso mesmo, se entrega ao desespero. Essa consciência da inutilidade de tudo leva Campos a sentir-se um exilado, um ser à parte em relação à humanidade. Ele imagina o mundo como se fosse um teatro, onde todos representam e o “eu” é o único que não sabe nem pode representar. Devido a isso, o seu lugar no teatro é no vestiário e nunca no palco.
Os versos finais do poema colocam frente a frente o eu-poético e o dono da tabacaria que representa o homem comum, o homem sem inquietações metafísicas. Ao vê-lo, o poeta experimenta uma sensação de desconforto e passa a ter a sensação da absoluta inutilidade de tudo, até da própria poesia. O poema fecha com a absoluta solidão do poeta, que tem consciência de que nada vale a pena, enquanto o dono da tabacaria, sem consciência alguma do que o rodeia, apenas sorri.
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