Nos artigos seguintes vou vos deixar a análise de alguns poemas da grande obra "A Mensagem". Espero que o material que aqui vou publicar vos seja útil para a disciplina de Português B do 12º ano.
O desenvolvimento do poema "O Infante" processa-se em três partes, ou três momentos.
A primeira parte é constituída apenas pelo primeiro verso, que contém uma afirmação tripartida de tipo axiomático, ou aforístico: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”.
Os três termos desta afirmação seguem-se segundo a ordem lógica causa-efeito: o agente ou causa próxima da obra (efeito) é o homem, mas a causa remota, o primeiro determinante, é Deus. Se Deus não quisesse, o homem não sonharia e a obra não nasceria.
Note-se que o sentido aforístico da frase tem um valor universal: o substantivo Homem refere-se ao ser humano em geral e Obra designa qualquer acção humana. O poema parte, pois, de uma concepção providencialista da vida humana.
A segunda parte do texto ( do segundo verso da 1ª estrofe até ao fim da 2ª) apresenta-nos a vontade de Deus que quer toda a terra unida pelo mar, confiando essa missão ao Infante, que levou, como por encanto, essa «orla branca» até ao fim do mundo, surgindo, em visão miraculosa, «a terra.. redonda, do azul profundo».
Como se vê, esta segunda parte do texto subdivide-se em três momentos: a acção de Deus, a acção do Infante e a realização da obra.
A terceira parte é constituída pela última estrofe, em que se transpõe para o povo português a glória do Infante («Quem te sagrou criou-te português«). Þ O povo português foi, pois, o eleito por Deus para esta façanha. Mas o poeta assinala também o desmoronar-se do império dos mares («o Império se desfez»), prevendo, no entanto, uma nova acção para renovação e engrandecimento de Portugal («falta cumprir-se Portugal»).
Vê-se, portanto, que o assunto evoluciona primeiro do geral (universal) para o particular: o «homem» e a «obra» do primeiro verso têm aplicação universal, ao passo que, na segunda parte, o «homem» se particulariza no Infante e a «obra» na epopeia marítima. Þ Dá-se, depois, na passagem da segunda para a última parte do poema, uma mudança de sentido oposto: transição de um plano particular (Infante) para um plano geral (Portugueses).
Verifica-se no poema uma dinâmica de tipo hegeliano. Já no primeiro verso aparece a sucessão tripartida: Deus Þ o homem Þ a obra. Mas onde se verifica mais claramente a dinâmica da tese, antítese e síntese é na última estrofe. Þ Pela vontade de Deus e pelo querer e acção do homem português, realizou-se a epopeia marítima, «Cumpriu-se o mar» (tese), mas, logo a seguir, «o Império se desfez» (antítese). ® Dá-se o desânimo nacional, uma pausa no caminho glorioso do nosso povo. Daí a súplica do poeta ao Ser que dá origem a tudo: «Senhor, falta cumprir-se Portugal!». Sugere-se, pois, uma nova acção de Deus e do homem português, de forma a repor, ou a acrescentar ainda mais, a glória do povo luso (síntese que é uma nova tese). Esta nova dinâmica tem de começar como no princípio, em Deus. De novo se vai repetir a mesma sequência causal do primeiro verso do poema: um impulso de Deus Þ um sonho do homem Þ e uma nova epopeia.
O poeta teve em vista realçar a função iniciática do Infante na obra dos Descobrimentos, acção essa que lhe foi confiada pela própria divindade. Daí o emprego de palavras carregadas de conotações simbólicas.
«Sagrou-te» Þ talvez ligada na mente do poeta à palavra Sagres (O Infante de Sagres), sugere a escolha do Infante para uma missão divina («Deus quer»).
Maiúsculas em «Mãe» e «Império» Þ processo destinado a dar às palavras uma dimensão marcadamente simbólica.
«Mar» Þ símbolo do desconhecido, do mistério.
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Daí as expressões «desvendando a espuma» ® desfazendo o mistério, «nos deu sinal» ® dar a chave para desvendar o mistério, que denunciam já o levantar do véu, o caminhar para a plena luz.
As palavras ou expressões «espuma» (branca), «orla branca», «clareou», «surgir» (sair das sombras, revelar-se), «do azul profundo» (do mar imenso, do fundo do mistério) ® de conteúdo simbólico ® exprimem a passagem do mistério para a plena luz. Þ Esta passagem apresenta-se como repentina, espectacular, miraculosa. É o que sugere a expressão: «E viu-se a terra inteira, de repente, /Surgir redonda...»
Esta visão da «terra redonda», surgida repentinamente, sugere a ideia de que a obra dos portugueses é o realizar de um plano divino.
Redondo, esfera ® símbolo da perfeição cósmica, da unidade, da obra completa e perfeita que Deus quis: «Deus quer.../ Deus quis que a terra fosse toda uma...»
Infante ® símbolo do herói português escolhido por Deus para ser agente da sua vontade: «Quem te sagrou criou-te português».
É nítido no poema um certo pendor dramático, não só atendendo à tensão emocional, que se revela sobretudo na segunda estância, com a visão da terra redonda surgindo magicamente do azul profundo, mas, também, há três personagens: o sujeito emissor (o poeta), Deus e o Infante. Se os dois últimos não falam, o primeiro dirige-se ao Infante («sagrou-te», «Quem te sagrou», «em ti») e interpela Deus («Senhor, falta cumprir-se Portugal»). Há portanto um diálogo, pelo menos implícito, o que está de harmonia com o carácter misterioso, messiânico, do poema.
1º verso ® verbos no tempo presente (quer, sonha, nasce) ® o que está de harmonia com o discurso axiomático ou aforístico Þ tempo passado (quis, sagrou-te, foi, clareou, viu-se) ® narrativo de acontecimentos passados Þtempo presente («Falta cumprir-se Portugal»).
A sucessão presente Þ passado Þ presente ® sugere a dinâmica hegeliana da tese, antítese e síntese e seu retorno. Þ Após a primeira aventura vitoriosa dos portugueses, veio o desânimo. Por isso, o poeta exclama, voltando-se para Deus: «Senhor, falta cumprir-se Portugal». Este presente «falta» confere à frase uma sugestão de urgência, de necessidade.
A última frase do texto, com toda a sua indeterminação e ambiguidade, juntamente com todas as palavras e expressões carregadas de conotações simbólicas dá ao poema características simbolistas.
O poema é constituído por três estrofes, os versos são decassílabos, com acentos na sexta e décima sílabas.
São versos de ritmo largo (no geral ternário, mas às vezes binário).
Este ritmo, largamente repousado, convém a um discurso carregado de simbolismo, em que é mais importante o que está nas entrelinhas, do que o que denota a própria letra.
A rima, sempre cruzada, segundo o esquema rimático ABAB, CDCD, EFEF, permite que certas palavras chaves do poema se encontrem em posições de destaque, no fim dos versos, como «nasce», «uma», «mundo», «português», «sinal», «Portugal».
Bibliografia: BORREGANA, António Afonso - O texto em análise. Lisboa: Texto Editora, [s.d.].
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