D. Dinis
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
Fernando Pessoa
D. Dinis é caracterizado, no poema, como poeta (v.1) e como lavrador (v. 2).
À volta de D. Dinis é criado um ambiente de mistério, sobretudo na 1ª estrofe: o "silêncio múrmuro" que só ao rei é dado ouvir, "o rumor dos pinhais que (...)/(...) ondulam sem se poder ver", isto é, só acessíveis a sonhadores, porque só o futuro os revelará como "trigo / De Império"; na 2ª estrofe, salienta-se "a fala dos pinhais" que é um "marulho obscuro".
No verso dois está presente a metáfora que remete para os pinheiros mandados plantar por D. Dinis que são já, virtualmente, as naus das Descobertas - o futuro adivinhado. O rei aparece, assim, como aquele que cria condições para as navegações, como uma espécie de intérprete de uma vontade superior. Esta ideia, que põe em evidência o aspecto mítico deste "herói", repete-se nos versos 9-10 - "É o som presente desse mar futuro, / É a voz da terra ansiando pelo mar".
Os versos 6-7 apresentam-nos o "cantar" "jovem e puro" como um regato que corre em direcção a um "oceano por achar"; encerram, também, a ideia de que neste passado se adivinha já o futuro.
Ao longo do poema, encontramos diversas referências a dois ciclos da nossa História - o da terra e o do mar. Os versos que ilustram esta afirmação são: versos 2, 4-5 e 10. Estes versos conciliam os dois ciclos - "plantador de naus", "como um trigo / De Império, ondulam", "É a voz da terra ansiando pelo mar".
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