Domingo, 13 de Maio de 2007

A Intemporalidade de "Felizmente Há Luar!" de Luís Sttau Monteiro

Após a leccionação de "Felizmente Há Luar!" de Luís de Sttau Monteiro, pedi aos alunos que escrevessem um texto de opinião sobre a Intemporalidade desta obra. Surgiram textos muito bons, mas houve um que eu gostaria de ver divulgado, desejo do próprio aluno, pois quer partilhar com outros aquilo que lhe desagrada no Portugal do século XXI.

 

                                                          

 

A obra “Felizmente Há Luar!” é uma peça épica, que apela à reflexão dos leitores/espectadores, não só na forma (diferente) de representação, mas também na sociedade em que se insere a narrativa. O teatro de Brecht pretende representar o mundo e o homem em constante evolução, de acordo com as relações sociais da época, características que inspiraram Luís de Sttau Monteiro a redigir esta obra.

 

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 Estas características são completamente opostas ao teatro conhecido até então, que pretendia despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói. Esta nova forma de teatro tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se insere. Assim, existe um afastamento entre o actor e a personagem, entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica, possam fazer-se juízos de valor sobre o que está a ser representado. Luís Sttau Monteiro pretende envolver o espectador no julgamento da sociedade, tomando contacto com o sofrimento dos outros. Para isso, sabiamente, soube estabelecer um conjunto de comparações entre o período posterior às Invasões Francesas e a época em que a obra foi escrita.

Em relação à acção de “Felizmente Há Luar!”, esta passa-se nos primeiros anos do séc. XIX, no início das lutas liberais, e serve de pretexto, a Sttau Monteiro, para denunciar o presente (em que viveu) através da metáfora do passado. Escrita em 1961, no contexto social e político do Estado Novo, esta obra pretende retratar um período de opressão, ao mesmo tempo que nos cultiva, permitindo-nos o conhecimento da história do país e advertindo-nos para os problemas de um sistema repressivo.

A ditadura que se vivia no início do séc. XIX e os consequentes mecanismos de denúncia e traição, permitiram a Luís Sttau Monteiro comparar este período com o da ditadura de Salazar, na qual viveu. Evocando personagens do passado, Sttau Monteiro usou-as como pretexto para explicar o presente em que vivia. Ambos os períodos ficaram marcados pelas perseguições, levadas a cabo pela Junta de Regência (séc. XIX) e pela PIDE (o sustentáculo do regime de Salazar – séc. XX) e pela consequente tirania, opressão, censura, miséria, medo, agitação social e obscurantismo, mas a crença na mudança, essa, estava sempre presente (porque “felizmente há luar”), o que levou à revolta liberal de 1820, no tempo da História e à Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974, no tempo da Escrita.

No início do séc. XIX, Portugal vivia o descontentamento do povo, motivado não só pela ausência da corte, mas também pelas dificuldades acrescidas advindas da guerra. A passividade, a opressão e o clima de suspeição que se sentia, contribuíram para a vontade de mudar, procurando um líder capaz de mudar os acontecimentos. Esse líder era Gomes Freire, idolatrado pelo povo e respeitado pelos amigos e companheiros, mas perseguido pelo Governo. Foi o sacrificado para que a mudança se pudesse dar, pois representava um enorme perigo para o Governo. Mortos pela Junta de Regência, os conspiradores e traidores do Governo (como é exemplo Gomes Freire), foram os grandes heróis de que o povo necessitava. A morte de Gomes Freire, sem provas que o incriminassem, fomentou a chegada do Liberalismo, que se iniciou no dia 24 de Agosto de 1820, na cidade do Porto, com levantamento popular liderado pelo Manuel Fernando Tomás.

No séc. XX, em comparação com o séc. XIX, surge um país espelhando as mesmas dificuldades: um povo oprimido, que necessitava de mudanças significativas. Salazar, governador de então, era disciplinador, autoritário, um ditador! Liderava o povo através do silêncio e da invisibilidade, vivia-se no escuro, na obscuridade, sujeitos a perseguições, censura e tirania. O Estado Novo de Salazar não trazia nada de novo – à ditadura da monarquia sucedia a ditadura do Estado, à Inquisição sucedida a PIDE, cujo encargo era interrogar, prender, torturar, exilar, censurar e assassinar todos os elementos perturbadores da “paz e da ordem”. 

 

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A Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974, derrubou a ditadura de Salazar, mas até que ponto esta revolução alterou o rumo de Portugal?

Deixou de existir censura ou perseguições, mas continuamos a viver no obscurantismo… Todos os dias temos conhecimento de manifestações de populares contra o encerramento de uma fábrica, contra a actual política do governo, contra o atraso de uma obra ou a construção de outra; todos os dias conhecemos novos arguidos em processos de corrupção, em Câmaras ou no Mundo do Futebol… Continuamos a ser um dos países mais pobres da Europa, com piores índices de aprendizagem! E o que se faz para combater estes factos? Pouco…ou nada! 

 A revolta contínua, a crença num Portugal melhor é permanente, pois existirão sempre homens e mulheres, como Gomes Freire, Matilde, Manuel ou Sousa Falcão, que batalharão contra a opressão e obscurantismo, porque “felizmente, felizmente há luar!”.

 

Ivo Correia

publicado por novosnavegantes às 22:59
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De Gertrudes a 14 de Novembro de 2017 às 21:49
Uma obra espetacular! Deveria ter mais coesão, mas de resto está muito bom.
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